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sexta-feira, 17 de julho de 2020

CURTINHAS DA QUARENTENA- Décima oitava

Ao tomar conhecimento da flexibilização da quarentena, meus sapatos se animaram. Um mundo de possibilidades voltou a se abrir para eles. Finalmente se encontrariam novamente com as tão queridas calçadas, com o concreto, com as rampas, degraus e ladrilhos, com outras cerâmicas além do chão dessa casa enfadonha onde estamos todos enclausurados há 4 meses.

As sandálias organizaram um Plano de Reabertura com detalhado rodízio em que elas próprias, os tênis, as alpercatas, as botas, os sapatos baixos e altos ganhariam a liberdade, dois pares por dia. As chinelas havaianas ficaram de fora e quiseram protestar, mas no fim reconheceram seus privilégios de livre trânsito pela casa e até mesmo uma ida ou outra à farmácia e ao banco.

Qual não foi a revolta quando lhes comuniquei que meus pés ficariam guardados ainda por um bom tempo! Recusaram meus argumentos, irredutíveis. Às favas com o isolamento social, gritaram alto."Lugar de calçado é onde ele quiser", "liberdade quando? Já!", "A rua é nossa casa!" e outras palavras de ordem tomaram a sapateira. Organizados com os cachorros, armaram um Plano que me fez pisar em cocô por três vezes consecutivas numa manhã só. 

As coisas estavam ficando fora de controle, e precisei entrar em acordo com a sapatada. Tiraram uma comissão para se reunir comigo, composta da sapatilha preferida no dia a dia do trabalho, o saltinho que arrasa nas festas e o tênis de corrida - as havaianas foram vetadas da comissão, por receio de golpe.


Ainda bem que a negociação foi um sucesso: duas voltas no quarteirão por dia. Uma pela manhã bem cedo, em companhia dos cachorros, outra à tardinha, na direção inversa. A paz, então, voltou a reinar na sapateira.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

CURTINHAS DA QUARENTENA- Décima sétima


Foi -se junho. Tão querido, tão festivo, foi-se triste sem as sanfonas, sem as fogueiras nem os balões. 

Mas teve gente que não deu o braço a torcer: arrumou milho, canjica, pamonha e pipoca e chorou vendo os artistas cantando no computador. Muitos deles penando, sem o sustento do ano todo que conseguem nessa época, e por isso gente que brilha como Gilberto Gil fez uma festa junina pra arrecadar uma grana. 

Aqui em casa teimamos em fazer uma quadrilha. Sim, presencial! O marcador filmou tudo, enquanto puxava os anarriês e os alavantus. Passou a cobra, passou a chuva e teve até o serrote! 

Os seis quadrilheiros, contando com os cachorros, terminaram no chão, morrendo de rir.

O nobre professor

  Ana Lia Almeida   Espero o elevador me perguntando o que acabou de acontecer.             A porta abre, eu vacilo antes de entrar. P...