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sábado, 22 de agosto de 2020

CURTINHAS DA QUARENTENA nº 22 - Os Isolados

    Uma rápida passagem pelas proximidades da feira de Mandacaru comprovou minhas suspeitas: em toda a região, somente lá em casa estamos em quarentena. Alcancei, finalmente, o significado mais pleno da palavra isolado, atestada pelo Dicionário Caudas Aulete: “só, solitário. Separado de tudo que o rodeia. Individual, sem relação com outras coisas ou pessoas da mesma espécie.”

    Trata-se de uma espécie em extinção, os Isolados, apesar do seu tão recente aparecimento na história natural como variante dos Homo Sapiens. Teimosos, não acreditamos que a pandemia acabou. Medrosos, tememos virar mais um número nas tabelas do jornal. Chatos, julgamos parentes e amigos que só querem dar uma passadinha rápida no shopping ou fazer aquele churrasquinho no fim de semana. Teimosia, Medo e Chatice são os principais atributos dessa espécie, que, embora presentes também na humanidade em geral, nos Isolados adquiriram o mais alto grau de desenvolvimento e intensidade. 

    Um maior estudo dos hábitos de vida e características dos Isolados ainda carece de maior aprofundamento em virtude da grande dificuldade de identificação destes raros indivíduos, mas eu, na qualidade de membra da espécie, posso oferecer ao leitor curioso algumas pistas sem tantas pretensões de generalização. 

    Perdemos o sono facilmente, sobretudo por causa do noticiário. Temos pavor de supermercado e fazemos a feira pelo celular. Desistimos do ano faz tempo e até mesmo do próximo Carnaval. Somos estranhos, os Isolados. Cheios de esquisitices, aguardando uma vacina pra poder evoluir para outro tipo de gente. De preferência um tipo de gente que supere a normalidade, tanto a nova como a velha.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

CURTINHA DA QUARENTENA 21 - O Clube dos Insones

Faço parte do distinto Clube dos Insones da Quarentena. Trocamos o dia pela noite, dormimos tarde e acordamos cedo, no meio da madrugada pensamos que estamos sonhando, mas, quando damos por nós, estamos mesmo é pensando acordados. Em resumo, dormimos pouco ou simplesmente não conseguimos dormir e pronto. A turma se levanta e acabou-se.   

A condição para entrar nesse clube é ter o juízo ardido. Alguma coisa tem de queimar dentro da sua cabeça: a dúvida sobre aquela infiltração vir do telhado ou da parede do banheiro; a luz da cozinha que você não tem certeza se apagou, as últimas páginas daquele livro que você está lendo e não sabe se o rapaz vai preso, vai se matar ou o quê afinal. Um motivo qualquer para arder o juízo e lá se vão os insones gastando a madrugada. 

O dia seguinte de quem não dorme, evidentemente, é quase sempre um dia perdido. Saber disso, para a nossa desgraça, contribui para a perda do sono, afinal, como é que amanhã faremos aquela tal coisa se não estamos conseguindo dormir, e por aí a aurora desanda.Melhor mesmo, nessas horas, é admitir a insônia e cuidar da vida, ir até a cozinha apagar a luz de novo, voltar pra cama e terminar logo o livro. A infiltração a gente deixa para o dia seguinte.

Por muito pouco a vida sempre pode nos roubar o sono. O nosso Clube dos Insones, no entanto e infelizmente, tem mais de cem mil motivos para não dormir. 

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

CURTINHA DA QUARENTENA 20 - Monga on line

Sem a querida Festa das Neves, até a Monga precisou se adaptar. Providenciou logo um post para o Instagram, devidamente replicado no Facebook, no Whatsapp e no Twitter: "Prepare seu coração: vem aí a Monga on line!". 

Caprichou no visual, enfeitando sua cabeça de macaca com um lacinho vermelho e pintando a sua boca de moça com o mais sensual dos batons.

O público não tardou a lotar as salas virtuais para ver com os próprios olhos a medonha transformação da mulher para a macaca. Skype, Google Meet, Zoom, Jitsi, todas as plataformas ficaram pequenas para o enorme sucesso da nossa Monga on line. 

Tamanha foi a comoção que  no dia 5 de Agosto, aniversário da cidade e auge da bilheteria, a internet bugou. Um dia inteiro de pane na rede mundial de computadores, com epicentro identificado na cidade de João Pessoa, a aniversariante. 

Aqui o impacto foi menor, por causa do feriado, mas ao redor do mundo inúmeros foram os prejuízos: aulas canceladas, reuniões desmarcadas, encontros adiados. Até a Bolsa de Valores foi abalada pela nossa Mulher-macaca.

Por causa desse potencial destruidor, os especialistas estão  chamando o fenômeno de "King Kong da Pandemia". Nossa Monga, claro, se ofendeu. Logo ela, tão querida, tão enfeitada. Calma, Monga, o público é seu amigo!

domingo, 2 de agosto de 2020

CURTINHAS DA QUARENTENA - Décima Nona

Ali no jornal, como número, está bom. Não dói, não cheira, fica tudo certinho. Tão limpinhos, tão organizados, com camisa de botão...isso é que é ser número! Desfilam comportados diante dos nossos olhos acalentados pela boa matemática, já até preparados para os gráficos do dia seguinte. Assim é melhor.

Quando a tabela sai dali, começam as dificuldades. Aquele número, antes tão apresentável, passa a doer, a arder de febre. Tão bem contado, tão sistematizado, o número agora  quer sair do jornal e vir atrás de mim, descabelado, desembestado, sujo.

Como incomodam esses números quando escapam do seu devido lugar matemático!  Como eles fedem e causam a maior desordem...  Uns baderneiros, uns comunistas, esses números! Que fiquem nas tabelas, nos gráficos, não me venham com atestados! Não venham atrapalhar a minha aula com essa doutrinação ideológica sobre a vida real dos números. Eu já sei, já vi no jornal, já disse que sinto muito, agora me deixem em paz. Fora com essa ladainha sobre os números. Tenho metas a cumprir e não posso parar.

O nobre professor

  Ana Lia Almeida   Espero o elevador me perguntando o que acabou de acontecer.             A porta abre, eu vacilo antes de entrar. P...