Elas me caem de surpresa, não sei de onde. Quando menos espero, pulam em forma de contos, pequenas crônicas ou controversas opiniões. Às vezes nem posso com elas, mas não querem nem saber: as palavras saltam das minhas mãos. Se não agradam, a culpa é toda delas.
domingo, 18 de outubro de 2020
CURTINHA DA QUARENTENA N.°28 - Dia dos Professores
domingo, 11 de outubro de 2020
A live das Crianças
Eu não vou ir não, mamãe, detesto essas lives. É tudo fingimento, eles não falam com a gente de verdade. Pode falar de volta, pra ver se eles respondem. Não, não estou com saudade da professora. Eu sei que tá chegando o dia das professoras, mas agora é o dia das crianças e isso daí não tem jeito de festa.
Prefiro ficar aqui brincando sozinho, mesmo, em vez de tentar brincar pelo computador. Você já tentou brincar pelo computador, mamãe? Não dá certo. Dá certo jogar, postar vídeo no TikTok, assistir no YouTube. Mas brincar, não tem como.
Eu quero ir na Pracinha com meus amigos. Na praia, então. Tá vendo, não pode nada, é uma merda, esse negócio de coroavírus. Falo, sim, merda, merda, merda! Ah, por favor, por favorzinho...Prometo não falar mais palavrão, prometo tudo que você quiser. A gente vai de máscara e leva aquele negócio das "medidas necessárias"...
Mas por que? Porque não não é resposta! Eu vi no jornal, tá todo mundo indo na praia e no shopping. É você que não deixa, mamãe. Então fique você assistindo essa live ridícula, eu já disse que não quero. E no parquinho pode?
sábado, 3 de outubro de 2020
CURTINHA DA QUARENTENA Nº 26 - Trabalho Remoto
Bem que eu achei muito chique quando a minha amiga Suzana, há uns três anos atrás, contou que ia entrar no regime de Home Office. Agora assim, dizia ela, tem de tomar cuidado para não misturar demais a casa com o trabalho. Tem de ter um escritório, nada de levar o trabalho para o quarto; tem de tomar banho e se aprontar antes de bater o ponto, nada de trabalhar de pijama; tem de cuidar de encontrar os amigos, também, porque senão a pessoa fica muito isolada.
Na ocasião eu invejei demais a vida perfeita dessa da minha amiga. Sem trânsito, sem salto alto, sem encontrar aquele colega de trabalho que fala cuspindo nem outras inúmeras chateações de ter de viver nesse mundo de sair de casa todos os dias úteis com o único e obstinado desejo de voltar umas 10h depois. Não me inveje, trabalhe; pode ter pensado a minha amiga com a sabedoria exata das placas dos caminhões.
Eis-me aqui, aos sete meses de uma pandemia. Aborrecida. Exausta. Aplacada pelo mesmo trabalho remoto que um dia invejei como um sonho bom. De nada me valeram os conselhos da minha amiga. Até que eu tenho um escritório, mas permanecer ali concentrada para qualquer coisa são outros quinhentos. Quando não me interrompem o cansaço ou o desânimo, é a minha filha a xingar toda a escola on line dela.
Ao contrário do conselho, ele, o trabalho, está sempre comigo por toda a casa: na cozinha, na sala e até no banheiro. Aliás, atire a primeira pedra a cara leitora ou o estimado leitor que não tiver atravessado a rica experiência de satisfazer a necessidade de número dois no meio de uma reunião importante. Câmera e microfone desligados, e esse delicioso alívio vai para o nosso querido chefe!
Além do mais, só o que fiz nesses meses foi trabalhar de camisola e passar o dia inteirinho com ela. Não falem da minha camisola, ela é ótima! Macia, arejada, e ainda esconde de mim os quilos sobressalientes da pandemia. Muito prático: a gente acorda, pula da cama, prende os cabelos e vai trabalhar. Quando tem mais coragem, lava o rosto. Lá pra depois do almoço, após vencer o combate contra a pia lotada, a gente toma um banho e troca de camisola.
Por último, a parte de encontrar os amigos depois do trabalho. Aquilo de estar passando bem pertinho da sua casa então venha tomar um café; essa coisa de brindar a pouca alegria da vida numa mesa de bar qualquer. É quando tenho mais vontade de ser normal e esquecer o compromisso de preservar a espécie em extinção das pessoas isoladas. Deixemos mais uma aos caminhões: jamais inveje o que não conhece muito de perto.
O nobre professor
Ana Lia Almeida Espero o elevador me perguntando o que acabou de acontecer. A porta abre, eu vacilo antes de entrar. P...
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