Ana Lia Almeida
Texto publicado em março de 2010 no Jornal O Contraponto
As perfumarias anunciam, com suas promoções, que o dia da mulher está chegando. Que bom! É o dia em que muitos se esquecem de que somos vendidas o tempo todo como produtos e se esforçam em vender produtos para nós.
Estão lá na novela e no programa do domingo, as moças bonitas que levantam a audiência com seus corpos nus. Estão também na propaganda da cerveja, tentando nos exigir que bebamos à vontade sem ter nenhuma barriguinha. Já as com cara de certinha estão vendendo cuscuz e máquinas de lavar roupa, ótimas donas de casa. Todas absolutamente transformadas em coisas, assujeitadas.
Os produtores e consumidores destas mulheres negam a história do oito de março. Há cento e cinqüenta e três anos atrás, operárias americanas da indústria têxtil organizaram uma paralisação exigindo redução da jornada de trabalho de dezesseis para dez horas. Resultado: morreram carbonizadas por seus patrões, que simplesmente fecharam a fábrica e atearam fogo, em represália aos protestos.
Em reconhecimento à luta contra a opressão que estas mulheres vivenciavam, e que nós ainda vivenciamos em todas as esferas da vida além da do trabalho, foi criado o Dia Internacional da Mulher. Não é um dia bonitinho, feito para se ganhar um perfume. É uma data de muita luta, ainda que essa perspectiva às vezes pareça distante.
Isso porque a condição de ser feminista não é tão natural quanto a condição de ser mulher. Exige a percepção das relações desiguais e injustas travadas entre homens e mulheres, e a vontade de construir outra história. Sou feminista porque desde criança lembro de me indignar com a divisão das tarefas domésticas. Porque sou solidária com as mulheres violentadas pelos homens de sua família. Porque tenho uma filha a quem ensinarei a ser feminista também. Sou feminista porque quero um mundo melhor e tenho “a estranha mania de ter fé na vida”.
Antes das flores, do perfume ou do presente qualquer que você receba ou dê nesse próximo oito de março, pense no significado político desse dia. Pense nas suas relações dentro de casa, em que medida você anda lavando os pratos e decidindo os rumos da sua família. Pense no seu trabalho, como as mulheres são tratadas e que cargos ocupam. Pense no esforço quase sobre-humano de ser mãe, e como as funções que esse papel acarreta podem ser compartilhadas.
Só então passe o seu melhor perfume, companheira, e vá para a rua protestar por um mundo com igualdade de gênero.
Foto de Rovena Rosa, arquivo Agência Brasil (https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2017-03/dia-internacional-da-mulher-tera-greve-feminina-em-diversos-paises)