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domingo, 25 de abril de 2021

RITA NA LUTA - Casa de Família


    Continuo lá, com D. Laura. Os meninos crescidos, estudando, ficou melhor para mim. Nessa idade, você sabe, não dá mais para ficar correndo atrás de criança pequena. Já vou fazer o quê: quarenta e… sete. Não ria não, Aleide, jajá você também vai começar a esquecer. É tanta idade que a gente vai parando de contar. O tempo corre, também, repare que já faz mais de ano que a gente é amiga de ônibus, encontro marcado aqui, toda semana.

    D. Laura está bem, sim. Esse pessoal vive bem, por mais que não achem. Sempre tem um grande problema que para a gente é pequenininho, é ou não é? Eu bem queria os problemas desse povo. Inventou crise de pânico com a mania de limpeza dela, foi pra médico de cabeça e tudo. Não pode ver uma sacola de supermercado que começa a suar frio. Sobra sempre para mim. É um tal de água sanitária em maçaneta, passar pano na casa três vezes por dia, banho de álcool nas compras, um aperreio só. Hoje, mesmo, minha filha, não foi moleza, a casa estava uma bagunça, ainda bem que tinha lugar aqui pra sentar porque minhas varizes vão estourar.     Você acredita, Aleide, que dia desses sonhei que eu era D. Laura tendo um piripaque desses que ela tem de vez em quando? Eu estava na sala da casa dela, é uma sala meio cafona, mas cafonice organizada, de gente que tem dinheiro. É um tal de quadro de foto de família misturado com santo e time de futebol na parede, que nem em casa de pobre, mas cheio de moldura dourada, não sabe? E a mobília da avó dela: uma mesinha de centro de madeira com um jarro de flor natural, que ela manda comprar toda semana; com mais dois cinzeiros chiques pra ninguém fumar, que ela é asmática; e também tem um troço de madeira, alto, que não serve para nada, só pra apoiar um calendário da igreja dela, com a Virgem Maria olhando praquelas janelas de vidro nas paredes de madeira. “Rústico”, ela diz, D. Laura. Eu acho é brega, mesmo. Se eu tivesse dinheiro ia querer uma casa toda moderna, os móvi tudo novinho, jamais uns troços daqueles.     Pois eu estava lá, no sonho, bem sentada no sofá listrado, olhando para as flores, quando vi que o jarro branco da avó dela estava todo empoeirado, como se a empregada, que não era eu, lógico, tivesse esquecido de limpar. Aquela sujeira me descontrolava, subia um nervoso pelas pernas até a cabeça, eu começava a me tremer todinha. Eu caía no chão de tanto me tremer, quando acordei.      Trabalhar em casa de família não é fácil não, viu, Aleide? Tem uma hora que a gente endoida com as esquisitices deles. Vá com Deus, minha amiga, daqui a pouco chega meu ponto também. Só eu que falei hoje, depois você me conta as coisas do salão. Até pra semana, amém.

Foto de Ana Patrícia Almeida

sábado, 10 de abril de 2021

RITA NA LUTA - Culto

 Vamos comigo esse domingo, Bença. Eu passo na sua casa. O Pastor, você vai ver, ele é agraciado. Estou te falando, a gente sai do culto iluminado pela fonte do Senhor, é uma livração. Além do mais, o que você tem para fazer no domingo, mulher de Deus? Preste atenção no que o Pastor explicou semana passada: o descanso dominical é um repouso ativo, voltado à oração e ao louvor, não um convite para o ócio que só leva aos pecados da preguiça, da gula e da luxúria. Mente vazia, oficina do diabo, você bem sabe.

Os quarenta minutos de espera na parada de ônibus já eram castigo suficiente quando a vizinha de Rita chegou com essa conversa. Era do tipo que falava pegando nos outros, exigindo atenção exclusiva. Não tinha escapatória. Encarava as pessoas sem a mínima chance para o desvio dos olhos e quando sentia que o olhar estava parado, pensando em outra coisa, ela apertava as duas mãos nos ombros, segurava firme no braço ou pressionava levemente o queixo da pessoa com o polegar e o indicador. Por sorte ela não pegava o mesmo ônibus de Rita, mas por azar ônibus nenhum passava nessa manhã abençoada.

Irmã, agradeço demais o convite, mas eu já tenho a minha Igreja e por enquanto estamos orando pela internet. Foi até proibido fazer culto presencial, não foi? Com esse povo todo morrendo, Deus me livre ficar aglomerada, já basta esses ônibus lotados que a gente é obrigada a pegar. Eu prefiro o culto on line, mesmo, porque enquanto assisto já vou adiantando o almoço e fico logo livre pra dar o meu cochilo. Até porque esse domingo tem Paredão do BBB, eu acabo dormindo tarde e no outro dia estou aqui de novo esperando esse ônibus que não passa. É hoje que Dona Laura acaba comigo, atrasada desse jeito.

Seguiram-se dez minutos de sermão: como ela podia se somar às vozes contra a liberdade religiosa nesse mundo perdido onde os bares e os shoppings estão todos abertos e lotados; como ela podia alimentar sua alma da graça divina por meio de um computador; como era que uma mulher direita como ela podia assistir aquele programa do demônio cheio de depravações.

É que eu adoro a menina Juliette. Ela é daqui da Paraíba, sabia? E como sabia, se você não assiste? Ela não é rapariga nada, é uma menina muito inteligente e estudiosa. Minha filha Maria Clara está estudando para entrar na faculdade onde ela se formou, com aqueles professores maravilhosos que ela falou lá na televisão. Eu sei que no BBB estão se aglomerando também, mas pelo menos não tem risco pra mim, que tô assistindo, não é verdade? E é bom acompanhar um pouquinho da vida dos outros, já que não pode sair de casa. Graças a Deus chegou o meu ônibus. Até logo, Irmã, se cuide. Fique em casa e ore por mim, porque a patroa hoje vai estar furiosa.  

Foto:https://www.opovo.com.br/noticias/fortaleza/2018/03/menos-de-um-terco-das-paradas-de-onibus-de-fortaleza-tem-abrigo.html

O nobre professor

  Ana Lia Almeida   Espero o elevador me perguntando o que acabou de acontecer.             A porta abre, eu vacilo antes de entrar. P...