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domingo, 6 de dezembro de 2020

CURTINHA DA QUARENTENA N°33- Escapulidas

Sei que ninguém aguenta mais esse papo de quarentena e isolamento social.   Mas a pandemia ainda não acabou, o que se há de fazer? Nós, os Isolados, continuamos bem guardados em casa. 

Devo confessar, no entanto,  que tenho lá minhas escapulidas. Peço que não se zangue,  cara leitora, e que não me julgue, estimado leitor. Atire a primeira pedra aquele que, no meio de uma pandemia, nunca escapuliu.

Não falo do protesto ao qual eu tive de ir, nem das providências policiais e bancárias de quando a minha mãe foi roubada. É outro o departamento.

Vou logo confessar tudo de uma vez, do menos para o mais grave. Primeiro que durante a feira, às vezes, eu me aproveito e passeio no supermercado. Entre uma prateleira e outra, eu me distraio com itens coloridos, que eu nunca vou comprar, só pelo sabor de estar mais um pouco fora de casa. Segundo: dia desses, voltando da farmácia, eu acabei parando em um café. Ele surgiu na minha frente, luminoso, recém-inaugurado, perto da minha casa. Eu não pude resistir. 

Terceiro, e o mais grave, pelo que desde logo peço a caridade de vosso perdão. Não é tanto pelas medidas sanitárias, que foram todas preservadas. O pecado residiu na luxúria. No desfrute de tanta felicidade numa só escapulida, enquanto meus companheiros isolados padeciam trancafiados em suas casas numa tarde tão bonita.

Eu ganhei as ruas de novo, em cima da minha bicicleta. A padroeira da cidade me saudou quando passei em frente à sua catedral. Confraternizei com os irmãos venezuelanos que celebravam um culto no Ponto dos Cem Réis. O vento acariciou meu rosto entre as árvores da Praça Rio Branco. Desci para a Lagoa, natalina, festejante.

Do alto do meu êxtase, pensava: eu amo a rua, a rua é a minha casa, um dia eu volto pra rua de vez. Um dia, próximo, mais perto do que longe. Um dia em que eu poderei abraçar as pessoas, apertar as mãos delas, beijar-lhes as bochechas. Será o dia mais feliz da minha vida.

Enquanto isso, continuarei em casa. Escapulindo, de vez em quando, que ninguém é de ferro.

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