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sábado, 29 de maio de 2021

RITA NA LUTA - Festa e Luta


Dia de festa no buzú. O aniversariante em pé no meio do corredor, todo contente, arrodeado de um bocado de amigos identificados por chapeuzinhos de papel. Uma garotinha vinha sentada, carregando o bolo no colo; dois rapazes serviam o refrigerante que trouxeram no isopor a todo mundo do ônibus, e outro distribuía sacos de pipoca - uma festa completa. Já estava tudo preparado quando passaram pela parada em que o menino subiu e cantaram os parabéns assim que ele passou pela catraca, os passageiros todos acompanhando em coro. 

Rita estava perto do motorista, um pouco distante do núcleo da comemoração, que se concentrava na metade do ônibus. Ambas as mãos ocupadas com o refrigerante e a pipoca, se segurando como podia nas barras de ferro, as ancas apoiadas no encosto do banco. Se ela queria bolo? Claro que sim. Tratou de comer ligeiro a pipoca para desocupar uma das mãos e receber logo o seu pedaço, que o bolo até era grande, mas o ônibus como sempre estava cheio e ninguém queria perder um lanchinho bom daqueles.

“Ah, eu adoro aniversário!”, comentou o rapaz que lhe passou o bolo. Uma senhora ali perto respondeu: “É porque você é novo. Já eu não gosto nadinha, que graça tem ficar mais velha todo ano? Prefiro me esconder nessa data e não dou conversa a ninguém, para não virem atrás de saber da minha idade que nem eu sei direito mais”. Rita achou graça no resmungado da senhora porque ela também andava perdendo as contas da própria idade, depois dos trinta havia dado para esquecer. E já que se esquecia mesmo, aproveitava geralmente para arredondar bastante para baixo; já ia pelos quarenta e sete, mas prestava conta, no máximo, dos quarenta e dois.

Pensava nisso tudo entre um gole e outro de refrigerante quando, num solavanco do ônibus, todo o líquido derramou-se no vestido da senhora resmungona. A mulher, mesmo reclamando, aceitou as desculpas de Rita e aproveitou para falar mal da carreata que parou o trânsito de repente, sacudindo todo mundo dentro do ônibus. “Esses vagabundos atrapalhando o trânsito, infernizando a vida do cidadão de bem. Maldito protesto! Coitado do Presidente, um homem tão bom!”

Rita procurou uma janela para ver melhor aquelas pessoas de máscara nos carros e nas ruas, segurando cartazes e bandeiras em defesa do SUS e da vacina, pelo aumento do auxílio emergencial, e, principalmente, contra o Presidente. A turma do aniversariante começou a apoiar a manifestação com palavras de ordem lançadas para a rua pelas janelas do ônibus. A senhora reclamona começou uma discussão com o garoto que servira os refrigerantes. A confusão foi aumentando, um passageiro deu um soco no outro e Rita achou melhor descer do ônibus.

Ainda se recuperando do susto, sentou-se no banco de uma praça e ficou um tempo vendo o protesto passar. Os carros enfeitados, frases escritas de batom sobre as vidraças, cartazes pregados nas portas, bandeiras tremulando ao vento. Motoqueiros, ciclistas, pessoas a pé em pequenos grupos. Três manifestantes passaram por ela caminhando e ofereceram-lhe uma máscara que ela aceitou com um sorriso. Ao dar-se conta de sorrir, reparou que perdera a sua máscara na confusão dentro do ônibus. “Fora Bolsonaro”, estava estampado na nova máscara de Rita, com a qual ela seguiu adiante em mais um dia de luta.


Imagem retirada de https://www.brasildefato.com.br/2020/08/07/veja-como-foram-os-atos-do-fora-bolsonaro-por-todo-o-pais

domingo, 23 de maio de 2021

Dez perguntas a Ana Lia Almeida



Compartilho com vocês a minha primeira entrevista como "escritora", realizada pela equipe organizadora da Coletânea Mulherio das Letras Portugal/ 2021, da qual fará parte um conto meu intitulado "O enterro do baiacu".

Dez perguntas a Ana Lia Almeida

O pré-lançamento desta coletânea será no dia 29/05, às 17hs, pelo canal de YouTube da Editora In-Finita.

sábado, 8 de maio de 2021

RITA NA LUTA - Quem tem filho, não tem sossego (Ana Lia Almeida)



Você viu o tamanho da carreata que fizeram para ela em Campina Grande? A menina é um sucesso! Como eu queria uma filha dessas, que virasse boneca e  fizesse de tudo pra resolver meus problemas de saúde… Meus meninos só me dão aperreio. O mais novo anda se metendo com gente errada, dia desses quase a polícia leva. Estão só esperando ele ficar de maior. O mais velho você conhece, não é? Carlinhos. 

Rita se prendeu naquela conversa desde que subiu no ônibus. Já dava pra escutar do primeiro degrau da escada, de onde ela lutava para se manter na fila de entrada, cheia de sacolas. Agora, já tendo passado pela roleta, podia ouvir melhor as duas mulheres do banco alto, logo após o cobrador. Acomodou-se ali mesmo, represando um pouco os passageiros que entravam no lotação. A turma passava acotovelando Rita um pouquinho, para descontar, mas ela nem ligava. A viagem era longa e uma boa conversa dos outros ajudava muito a passar o tempo.

Carlinhos está lá, na luta dele. Ah, ele entrega de tudo que tem no aplicativo, principalmente pizza. Pensou em sair por causa daquele aborrecimento, mas acabou ficando. Difícil demais achar trabalho, infelizmente não tem muito como escolher. Você não soube não? Carlinhos foi entregar uma pizza que veio errada. Nada a ver com ele, mas o cliente ficou zangado, jogou uma conversa troncha que ele não podia ir embora e tinha de devolver o dinheiro, terminou chamando o menino de macaco. Essa gente é assim mesmo, uns sebosos. Eu fico com ódio! Sei que Carlinhos terminou dando uns tapas no homem, se atrasando para a entrega seguinte e ainda descontaram da corrida do bichinho. Ele tentou explicar tudo à dona da pizzaria, mas ela não quis conversa. Disse que cliente tinha sempre razão e ficou por isso mesmo. E tem mais, ainda falou da gente aqui do “Norte”: um pessoal muito devagar e ruim de aprender as coisas; bom mesmo era de onde ela vinha, das bandas do Rio Grande do Sul. Foi o que eu disse a ele: veio fazer o quê aqui então, porque não volta pra lá? Mas deixa. Aqui se faz, aqui se paga. Não viu a Juliette, aí, milionária, com carreata e tudo?

Quem tem filho, não tem sossego. Eu já vivia com medo dessa moto de Carlinhos, para cima e para baixo em todo canto. Quando não é entrega de motoboy, é passeando com a namorada. Agora fico também com medo de ele se meter noutra confusão e perder o trabalho. Além do mais, fiquei meio sentida, com essa história, sabe. A gente cria um filho numa luta danada, passa os valores, aí vem um desgraçado chamar de macaco e uma mizera descontar o salário. Se eu pudesse, dava era uma pisa em tudinho. Eu sei que não resolve, mas quando mexe com filho a gente vira onça. 

Era muito verdade, Rita pensou. Quando alguém mexia com Maria Clara, que também não lhe dava sossego, ela virava uma onça, mesmo. Levantou suas sacolas do chão sujo do transporte e, devagarinho, chegou no lugar que tinha vagado duas fileiras adiante. Já sentada, orgulhou-se do sonho de Clarinha ir para a faculdade. Sua filha era linda, inteligente e corajosa, que nem Juliette.

Foto: https://diariodamanhapelotas.com.br/site/transito-e-itinerario-de-onibus-serao-modificados-no-domingo/

O nobre professor

  Ana Lia Almeida   Espero o elevador me perguntando o que acabou de acontecer.             A porta abre, eu vacilo antes de entrar. P...