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sábado, 8 de maio de 2021

RITA NA LUTA - Quem tem filho, não tem sossego (Ana Lia Almeida)



Você viu o tamanho da carreata que fizeram para ela em Campina Grande? A menina é um sucesso! Como eu queria uma filha dessas, que virasse boneca e  fizesse de tudo pra resolver meus problemas de saúde… Meus meninos só me dão aperreio. O mais novo anda se metendo com gente errada, dia desses quase a polícia leva. Estão só esperando ele ficar de maior. O mais velho você conhece, não é? Carlinhos. 

Rita se prendeu naquela conversa desde que subiu no ônibus. Já dava pra escutar do primeiro degrau da escada, de onde ela lutava para se manter na fila de entrada, cheia de sacolas. Agora, já tendo passado pela roleta, podia ouvir melhor as duas mulheres do banco alto, logo após o cobrador. Acomodou-se ali mesmo, represando um pouco os passageiros que entravam no lotação. A turma passava acotovelando Rita um pouquinho, para descontar, mas ela nem ligava. A viagem era longa e uma boa conversa dos outros ajudava muito a passar o tempo.

Carlinhos está lá, na luta dele. Ah, ele entrega de tudo que tem no aplicativo, principalmente pizza. Pensou em sair por causa daquele aborrecimento, mas acabou ficando. Difícil demais achar trabalho, infelizmente não tem muito como escolher. Você não soube não? Carlinhos foi entregar uma pizza que veio errada. Nada a ver com ele, mas o cliente ficou zangado, jogou uma conversa troncha que ele não podia ir embora e tinha de devolver o dinheiro, terminou chamando o menino de macaco. Essa gente é assim mesmo, uns sebosos. Eu fico com ódio! Sei que Carlinhos terminou dando uns tapas no homem, se atrasando para a entrega seguinte e ainda descontaram da corrida do bichinho. Ele tentou explicar tudo à dona da pizzaria, mas ela não quis conversa. Disse que cliente tinha sempre razão e ficou por isso mesmo. E tem mais, ainda falou da gente aqui do “Norte”: um pessoal muito devagar e ruim de aprender as coisas; bom mesmo era de onde ela vinha, das bandas do Rio Grande do Sul. Foi o que eu disse a ele: veio fazer o quê aqui então, porque não volta pra lá? Mas deixa. Aqui se faz, aqui se paga. Não viu a Juliette, aí, milionária, com carreata e tudo?

Quem tem filho, não tem sossego. Eu já vivia com medo dessa moto de Carlinhos, para cima e para baixo em todo canto. Quando não é entrega de motoboy, é passeando com a namorada. Agora fico também com medo de ele se meter noutra confusão e perder o trabalho. Além do mais, fiquei meio sentida, com essa história, sabe. A gente cria um filho numa luta danada, passa os valores, aí vem um desgraçado chamar de macaco e uma mizera descontar o salário. Se eu pudesse, dava era uma pisa em tudinho. Eu sei que não resolve, mas quando mexe com filho a gente vira onça. 

Era muito verdade, Rita pensou. Quando alguém mexia com Maria Clara, que também não lhe dava sossego, ela virava uma onça, mesmo. Levantou suas sacolas do chão sujo do transporte e, devagarinho, chegou no lugar que tinha vagado duas fileiras adiante. Já sentada, orgulhou-se do sonho de Clarinha ir para a faculdade. Sua filha era linda, inteligente e corajosa, que nem Juliette.

Foto: https://diariodamanhapelotas.com.br/site/transito-e-itinerario-de-onibus-serao-modificados-no-domingo/

8 comentários:

  1. O orgulho maior de Rita é que Clarinha escolheu o mesmo curso da autora do texto e da Juliette.

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    1. Verdade, Domingos! E pra minha alegria, eu serei professora de Clarinha como fui de Juliette!

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  2. É isso aí Rita de Aninha, mãe virá onça e gata mansa. Só depende da ocasião

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  3. Tantas Ritas e Julietes...tanta informalidade e invisibilidade da luta diária das gentes!! Muito bom, Ana!!Parabéns!!

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    1. Muito obrigada, Ângela! Vindo de alguém como você, fico ainda mais feliz por ter gostado : )

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