Larissa Rodrigues estreia na literatura com um romance, “O que as mulheres carregam nas bolsas” (Ed. Mondrongo, 2022). É um livro sobre sororidade, sobre a partilha de vidas atravessadas pela violência e pelas desigualdades de gênero, mas, sobretudo, uma história sobre distâncias e encontros culturais.
As protagonistas, Elisabeth e Parisa, vivenciam uma amizade posta a prova o tempo inteiro por estranhamentos recíprocos. Isto porque Parisa é uma afegã a quem se aplica, aos olhos ocidentais de Elisabeth, todos os signos da opressão que operam contra as mulheres do “oriente”. Nosso julgamento sobre Elisabeth, contudo, à medida que a trama avança, aproxima-a da amiga Parisa, com quem trabalha em um Museu.
É nessa chave que o livro nos prende. Em meio aos acontecimentos da vida que ora distanciam, ora aproximam Parisa e Elisabeth, vamos revendo nossos estereótipos sobre a cultura oriental, sobretudo no tocante às mulheres. Na verdade, revemos a nós mesmas como mulheres assim chamadas “emancipadas” em cada encruzilhada que o machismo nos mete pelo caminho. Descobrimos, com Elisabeth, que embora o casamento de Parisa de fato se expresse a partir de convenções de gênero violentas, a personagem o tempo todo se põe em luta para escapar dos determinismos de sua cultura. De outro lado, Elisabeth se deixa aprisionar por uma relação do passado que também opera a partir de convenções machistas, porém, desiludida, acomoda-se. É por causa da amiga que se põe novamente em movimento ao solidarizar-se com a irmã e o sobrinho de Parisa, enquanto vai enfrentando seus fantasmas e tomando as rédeas da própria vida.
Em vez de enveredar-se numa tendência ensimesmada, voltando-se a questões de um “eu” aparentemente desconectado da realidade histórica, Larissa nos oferece uma narrativa de alto compromisso com o mundo, com a dimensão coletiva e social da experiência humana. Com a superação de preconceitos culturais. Com a superação da violência contra a mulher. Com a necessidade de nos comprometermos com os problemas que surgem ao nosso redor e com o enfrentamento de nossos próprios problemas. É um livro que toma partido, ao mesmo tempo em que aborda as contradições pessoais e sociais de modo nada simplista.
Que seja o primeiro de muitos. Que Larissa Rodrigues continue a sua caminhada literária nos trazendo mais e mais reflexões sobre o mundo em que vivemos e as maneiras de torná-lo um lugar melhor.