Não estou dizendo que não é pra ir votar. Daqui a pouco eu vou lá, sim, apertar no botão a minha pouca escolha entre o péssimo conhecido de sempre e a nova tragédia. Certamente estaria mais animada se votasse em São Paulo, em Porto Alegre, ou mesmo em Recife, mas aqui em João Pessoa a fedentina das cabines de votação se poderá sentir de longe, muito além das zonas eleitorais.
Ainda assim, jamais deixaria de votar, mesmo com medo da pandemia. Me impede a consciência das décadas em que meus pais não puderam fazê-lo, eles e seus amigos que pagaram com a própria vida por isso. A pouca escolha que nos resta nas urnas, afinal, é o outro lado da nossa pouca disposição em brigar pelo que nos cabe. Essa preguiça de lutar pelo que é nosso, essa covardia de aceitar as coisas mais absurdas como se fossem normais, essa cretinice de se apropriar individualmente daquilo que é comum a todo mundo.
Só quero dizer que estou farta dessa pouca democracia. Essa democracia remota, de apertar um botão de dois em dois anos e só. Farta dessa cidadania passiva, que, quando muito, faz um post no Instagram. Cansada de mandar ofícios e pedir licença, de saco cheio da paz.
Eu quero é gritar, de máscara, junto com o povo preto na frente do Carrefour. Gritar bem alto que mataram um homem e por isso não podem continuar fazendo compras como se nada tivesse acontecido. Atear fogo, mesmo, no poder desses machos ricos e brancos que passam por cima de tudo que não é deles. Quero revidar todas as muitas vezes em que somos atingidas pelo machismo, vingar as mortes das mulheres e todas as pessoas que sofreram por amar conforme sua própria vontade. Já chega, também, desse mundo em que o lucro vale mais do que as pessoas.
Por isso eu vou mesmo votar, daqui a pouco, de máscara, caneta e álcool em gel. Mas não me contento com isso.