O bofe mora em Bayeux, com biquinho assim, em francês. Ah, minha filha, não é a Baiê da gente, não, está pensando o quê? E ainda completou, cheio de chiado: “é a cidadje satélitche ao contrário, porque João Pessoa não seria nada sem o aeroporto”. Orgulho de ser de Bayeux, não esquece o biquinho. Trabalha lá no saguão, numa lanchonete. Quer dizer, um café, que vende pãozinho de queijo a quinze reais e ele jura que enjoa de tanto comer.
Rita se sacudia toda, rindo dessa história que o rapaz contava alto para o amigo no banco de trás, todo o ônibus escutando. Lembrou da sua vizinha, Taci, de Jaboatão dos Guararapes, onde também se falava chiando um pouquinho, como o bofe de Bayeux, mas só na parte dos “S”. Rita adorava a maneira de falar de Taci, mas tinha gente na vizinhança que achava ela metida a besta, por causa daquele sotaque.
Eu até fiquei meio desconfiado daquele chiado todo, achei coisa de gente falsa… Mas depois que a gente saiu, que conheci melhor a pessoa dele, eu entendi. Lá, no aeroporto, como anda gente de tudo o que é canto, ele vai prestando atenção na fala de cada um. Quem chia mais é o povo do Rio, os “cariuócash”. Pessoal de São Paulo é mais puxado nos “erres”, lá pelo “aeroporrto”. E por aí vai: o “trem” dos mineiros, o “tchê” dos gaúchos, os mil jeitos de falar em nordestinês. Ele vai copiando um tiquinho daqui, outro dali, misturando tudo. Eu acabei me acostumando com isso. Se engana quem acha que a gente é de um jeito só.
Verdade. Nem vida sofrida de pobre é de um jeito só. A vizinha de Rita, por exemplo, cansou-se do prá-lá-e-pra-cá entre Jaboatão e Recife, onde trabalhava. Todo dia Taci pegava um ônibus de sua casa até a estação do metrô, atravessava o Engenho Velho, Floriano, Cavaleiro, Coqueiral, Tejipió, Barro, Werneck, Santa Luzia, Mangueira, Ipiranga, Afogados e Joana Bezerra, até chegar na Estação Recife, descer e caminhar mais quinze minutos para bater o ponto na Conde da Boa Vista. Duas horas para ir, outras duas para voltar. Taci enjoava com o balançado do ônibus e tinha vertigem com a velocidade das coisas ficando para trás no metrô. Só se aquietava caminhando, mesmo assim, muitas vezes chegava em casa ou no trabalho a ponto de vomitar. Veio-se embora viver em João Pessoa, iludida com a promessa de uma cidade ainda pequena e sem tanto engarrafamento.
Agora, vivendo em Mandacaru ao lado de Rita, é verdade que Taci gastava menos tempo se deslocando. Mas nem por isso deixava de sair de casa cedinho e só voltar tarde da noite, perto da hora de dormir, feito Rita. Apesar de morarem na mesma cidade em que trabalhavam, a casa delas era como as cidades-satélites: não passavam de dormitórios. A bem da verdade, nenhuma das duas tinha tempo de viver.
Geraldo, mas só quer que chame de Jey. Internacional. Na hora que pediu meu telefone, eu gelei. Dou ou não dou? Terminei dando. É, acho que estou me apegando, sim. Mas não vá espalhar, viu, que o coração da bicha aqui é grande que nem pista de avião, pode vir pousando mais!
Muito bommm!Como sempre, texto lindo, leve e poético. Parabéns Aninha.
ResponderExcluirObrigada :)
ResponderExcluirNenhuma vida é igual.
ResponderExcluirRita nos faz sair da linha reta e caminhar por caminhos sinuosos!
Parabéns, Aninha!
ResponderExcluirMe deliciei nas gargalhadas entre ”nem todo podre sofre do mesmo jeito…” e a “aqui é grande que nem pista de avião…”
Massa!!! E eu sigo, aqui em Sampa com os meus “rrrrrr’s”.
Obrigada por mais uma vez, nós contemplar com suas deliciosas escritas.