Foi covid, seu Carlinhos. Não durou cinco dias no hospital. Tanto que avisaram a ele… Eu mesma dei conselho: se vacine, homem! Mas ele não quis saber. Dizia que o povo tava adoecendo era por causa da vacina, que não tinha precisão, que a vacina dele era a de Deus, essas conversas.
A moça de óculos escuros lamentava movendo a cabeça sutilmente de um lado para o outro, em modo de não, no que olhou para cima e encontrou os olhos de Rita prestando atenção na conversa. Rita, de pé no corredor do ônibus, segurava as barras de apoio do banco em que a moça vinha sentada ao lado de seu Carlinhos. Este, um senhor educado, havia oferecido o lugar a Rita assim que ela chegou, com sua bolsa pesada. Agradeceu, não precisava, então me dê suas coisas, muito obrigada. Ele notou, pelo reflexo das lentes dos óculos, o encontro do olhar da moça com o de Rita e, ao tomar a palavra, dirigiu-se às duas.
Meu filho chegou em casa com uma conversa dessas também, que não ia tomar a vacina. Pois dentro da minha casa você não pisa, eu dei as ordens. Deixei não. Trazer doença para a gente? Não era nem por mim, que fui o primeiro a entrar no postinho para me vacinar, quando chegou a minha vez. Mas tinha a irmã dele, que na época tinha tomado só a primeira dose; a minha netinha, que agora é que vai agendar… A gente não pode descuidar não, que o doenceiro está solto no meio do mundo.
Rita pegou a deixa e entrou de vez na conversa. Na casa da patroa dela foi adoecendo um atrás do outro, depois das festas do fim do ano. Ninguém lá se vacinou, tirando a filha do meio, que é brigada com todo mundo e não foi nem para o Natal. Mas caiu também, porque, além da covid, tá dando essa gripe aí, todo mundo pegando. Sei que começou com o caçula, depois do Natal. Já voltou pra casa doente mais a esposa e os dois filhos, os quatro tossindo, com febre e dor de cabeça. Tudinho positivou. Três dias depois, o patrão adoeceu do mesmo jeito. Passou mais uns dias, foi a vez de dona Laura, junto com o mais velho e a esposa. Essa bateu até no hospital, faltando ar. Por isso mandaram o menino deles pra casa da avó doente, mais um para eu tomar de conta. Uma peste! Escondendo os remédios de dona Laura, bulindo em tudo, espalhando os brinquedos pela casa toda, sem brincar com nenhum… Ainda judiava com o cachorro. Menino que come na hora que quer, não sabe, sem gostar de comida nenhuma que tem na mesa; lá ia eu atrás de salsicha pra fazer cachorro-quente na hora do almoço.
A moça de óculos escuros balançava a cabeça em reprovação novamente, pouco antes de atender uma ligação. Ah, se fosse meu neto, dava logo umas boas palmadas, comentou seu Carlinhos. Pense numa bença! _ Rita continuou. Resultado: pegou fraqueza, vivendo só de lanche, terminou voltando pra casa doente também. Só quem testou foram os primeiros, mas acho que tudinho foi covid. Por que eu acho: porque eu fui a única que escapei. Se peguei, não tive nada. Se bem que no sábado senti a garganta um pouquinho, uma molezinha bem de leve. Passei o domingo deitada, tomando chá de alho com limão, e segunda-feira, pronto, já estava boa. Agora, isso por causa de quê?
Da vacina! Respondeu seu Carlinhos. A moça continuava na ligação, saída da conversa. Seu Carlinhos se ajeitava para descer do ônibus, devolvendo as coisas de Rita, que se preparava para sentar no lugar dele. Ela passou o restante da viagem cochilando. Acordou já bem pertinho de casa, com a moça de óculos escuros ainda ao telefone. Quase que Rita perdia o ponto.
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