Faça isso não, Rita mulher. Abre esses olhos. Tu não acha estranho essa bença aparecer logo agora? Uma luta danada pra tu ganhar esse dinheiro, quase perde esses anos todos de serviço, pra agora vir me dizer que vai dar tudo de mão beijada prum sujeito que reapareceu do nada, direto das cinzas do passado, justamente agora? Taci tinha razão. Rita meditava sobre as palavras dela enquanto observava pela janela do ônibus aqueles montes de carros parados no trânsito da manhã.
Já estava a caminho do banco para sacar o dinheiro que Paulão pedira depois de quinze anos de sumiço. Seus olhos azuis ainda a enfeitiçavam, como na primeira vez que se viram. Desde então, Rita permitiu que a vida virasse uma grande bagunça. Paulão praticamente se mudou para a casa dela, e de repente ganhou uma espécie de marido-filho. Rita levantava cedo, fazia o café, acordava Paulão com cosquinhas. Os dois riam, ela saía para trabalhar e ele ficava em casa sem fazer nada. Rita não ligava, no começo. Mas Clarinha começou a reclamar que não tinha sossego para estudar, que o homem passava o dia assistindo televisão no volume máximo e andava o dia todo só de cueca pela casa. Depois disso, não deu nem um mês, ele sumiu. Escafedeu-se. Clarinha acendeu velas e pagou promessas. Rita, contudo, esperava por ele toda chorosa pelos cantos.
Depois de quinze anos sem dar notícias, Paulão reaparecia exatamente na semana em que a Justiça liberava o FGTS, as horas-extras e as férias atrasadas de Rita, após ser inocentada no processo criminal da morte de dona Laura. Doutor Felipo, o advogado que Taci arranjou, tinha acabado de explicar tudo bem direitinho ao telefone quando Paulão bateu na casa dela. Ô de casa. Rita ficou branca, azul e amarela, parecia ter visto um fantasma diante do homem que jamais esquecera. Ele veio com uma história de que tinha saído às pressas, fugindo de uma dívida que vieram cobrar, e de tanta vergonha, afinal, o que Rita pensaria dele, achou melhor desaparecer. Que nunca deixara de pensar nela e finalmente resolvera voltar. A dívida, porém, continuava, e havia crescido. Ele resolvera ter coragem, desta vez, para pedir-lhe o dinheiro emprestado.
E precisa de coragem pra isso? Taci questionava, indignada; quanto mais detalhes Rita contava, mais a história parecia uma grande furada. Rita, Rita… olhe, eu não vou nem dizer mais nada. Vou-me embora que a minha parada é a próxima.
Foto: https://lenscope.com.br/blog/olho-azul/
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